Um dos livros que ganharam o prêmio Jabuti 2021 foi o Flor de Gume, reunindo 37 contos da escritora e artista visual Monique Malcher, que apresenta uma escrita muito potente sobre mulheres, natureza, afetos, violências, dores e sentimentos universais.
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Por meio da prosa poética, o livro Flor de Gume aborda singularidades profundas que desembocam em um panorama macro e coletivo, reunindo histórias de mulheres e temas delicados, como violência física e abuso sexual.
A narrativa dos 37 contos não segue uma ordem linear, o que permite uma leitura de forma separada também, mas forma um conjunto único e intensamente conectado por meio de um fio condutor bastante nítido.
Flor de Gume é dividido em três partes: “Os nomes escritos nas árvores, os umbigos enterrados no chão”; “Quando os lábios roxos gritam em caixas de leis herméticas”; e “O reflorestar do corpo, o abandonar das pragas”.
Ao longo da leitura dos contos, podemos perceber as vozes entrelaçadas de várias gerações de mulheres: netas, filhas, mães e avós que dialogam entre si, por meio das águas dos rios e da terra de raízes e árvores, deixando fluir as dores e os traumas experienciados em suas vidas.
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A obra de Monique Malcher não traz apenas sua escrita que corta e cura, mas também suas colagens sensíveis em tons de verde, que nos envolvem em uma atmosfera íntima e mágica e conversam com os seus contos.
As narrativas abordam a questão do poder da arte e da escrita, nos inspirando a acreditar mais em nós e na força da palavra para enfrentar os percalços e continuar nossa caminhada.
“O meu gosto é de quem vai ficar bem e vai cantar uma canção. E vai chorar. E vai envelhecer. E vai sorrir. E vai ter medo. E vai se permitir. E vai tocar em animais da rua. E vai deixar que a palavra seja o único caminho possível”.
Monique Malcher
Monique Malcher, escritora e artista plástica, nascida em Santarém, no interior do Pará, já produzia diversas publicações independentes antes de Flor de Gume ser publicado. A autora é mestre em Antropologia pela UFPQ e doutoranda em Ciências Humanas pela UFSC, onde pesquisa literatura e quadrinhos realizados por mulheres.
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Monique escreve como quem mergulha em um rio, desvendando outros tons sobre si e o mundo que a rodeia. Ela cultiva as palavras em um solo fértil que nos inspira a ler e reler, gerando frutos e flores que permeiam nossos pensamentos e emoções para além do momento de leitura.
Entendi que chorava porque você nunca sentiria a minha dor, era algo intransferível, e nada que te dissesse seria lembrado. Eu sei, óbvio, um dia todos nós vamos morrer e o esquecimento chegará. Talvez as palavras escritas sirvam para acalentar a sombra do esquecimento de mulheres cujas histórias não são contadas, aquelas dos ossos fundos do rosto.
Assim como a orelha do livro, escrita por Jarid Arraes, nos fala: “Monique Malcher escreve o crescimento das mulheres resistentes. Desenha linhas de vida que, sabemos, muitas vezes quase foram interrompidas, mas abre suas mãos e nos mostra uma transformação: a flor corajosa que se defende, reage, ataca. Essa é a imagem poderosa que tingirá de verde o corpo de cada leitor: a lâmina dentro da beleza e a beleza possível porque também lacera”.
Flor de Gume
Publicado pela Editora Jandaíra, antiga Polén Livros, o livro Flor de Gume apresenta histórias extremamente conectadas e sensíveis, proporcionando diversas reflexões sobre as vivências e lutas das mulheres desde a infância até os últimos anos de vida.
Em seu livro, Monique não só fala de dores e sentimentos fortes, como raiva, amor, tristeza e ódio, mas também sobre descobertas, aprendizados e novas perspectivas a partir de suas experiências e das profundas trocas com suas ancestrais.
O corpo que eu gostaria de dizer que é meu e que deve se submeter às minhas regras, nunca foi meu de verdade, e foi usada tantas vezes, mesmo sendo sempre difícil para os meus sofrimentos e castigadores deterem minha força. Eu pedi por muita coisa, mas às vezes pedir não funciona para uma mulher. Agora eu entendo porque minha vó simplesmente comia os bombons das grandes lojas escondida. Era a forma de gritar, e cada pessoa nesse mundo encontra as suas.
Além do feminino, também há os elementos atemporais de natureza e cidade que se mesclam à forma visceral pela qual Monique Malcher escreve em Flor de Gume, nos levando a perpassar por rios, florestas, ruas e viagens que nos guiam para um caminho também interno em nossas profundezas.
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Ao dar voz a histórias de mulheres que muitas vezes são silenciadas, a autora Monique Malcher nos presenteia com um mergulho em águas intensas nas quais emergimos com um olhar mais aguçado, um coração transbordante e um corpo que deseja continuar sobrevivendo com foice, palavras e magia.
Durante a leitura do livro, gostei de tantos trechos que fui marcando vários deles para poder voltar e ler de novo com mais facilidade depois. Há muitas partes marcantes em Flor de Gume, e essa com certeza foi uma das leituras mais incríveis que fiz nesse ano.
Você já conhece a escrita de Monique Malcher? Espero que esse post tenha inspirado você a ler e se apaixonar também.
Obrigada pela companhia por aqui e até a próxima! ❤️